A morte do menino Bernardo Boldrini, de 11 anos, no noroeste do Rio Grande do Sul, esteve em todos os noticiários e chocou a sociedade. Para trazer à tona questões ligadas aos direitos de crianças e adolescentes, a Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente – Amencar, por meio de sua presidente, Eloí Siegert Peter, escreveu um artigo que foi publicado no site do jornal Zero Hora.
Aqui está o texto na íntegra.
Bernardo e a proteção à infância
Acompanhamos, ainda abalados, as notícias sobre a morte de Bernardo
. Esse menino de 11 anos que buscou ajuda para seus sofrimentos e não conseguiu ser escutado.
Bernardo foi atendido no Conselho Tutelar, sendo sua situação informada ao Ministério Público, que provocou ação da Justiça. Em tese, os procedimentos relatados dão conta de correção em termos do que chamamos Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes (SGDHCA). Mas então, por que Bernardo, filho de um médico, numa pacata cidade interiorana do Rio Grande do Sul foi assassinado?
As respostas não são evidentes, mas existem pistas que podem nos conduzir a algumas possibilidades. Refletir sobre o caso é uma necessidade irrecusável para todos que buscam defender direitos de crianças e adolescentes, inclusive para que não tenhamos outros Bernardos vitimados – mesmo quando adentram o sistema protetivo.
Analisando o material disponível fornecido pela imprensa, é possível encontrarmos um problema antigo no caso: a baixa capacidade dos adultos ouvirem e darem ouvidos às crianças. Para escutarmos mesmo suas dores e sonhos. No caso de Bernardo, por que não foi decretada a medida protetiva de acompanhamento e apoio familiar? Por que, tendo em vista o artigo 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não lhe foi designado curador especial, visto que seus interesses colidiam com os de seus pais ou responsável? Será por que seu pai era médico? Será por que não era evidente a contradição de interesses entre o pai e o filho, num caso que inclusive precisou chegar ao judiciário?
Responder essas questões. Pensar em como estamos ouvindo ou deixando de ouvir nossas crianças e adolescentes é tarefa urgente para que essa morte possa nos fazer refletir sobre nossa ainda baixa capacidade protetiva e nos indicar algumas possíveis mudanças legais, como, por exemplo, a obrigação de defesa técnica para crianças e adolescentes quando seus interesses colidirem com os de seus pais/responsáveis e, quem sabe, igualmente, a obrigação de atendimento especializado para famílias com situação semelhante, independente de sua situação social – inclusive porque, senão, contraditoriamente – estaremos desprotegendo crianças e adolescentes de classe média e alta, mesmo o Estatuto devendo valer para todas as crianças e adolescentes brasileiros.
Além disso, interessa sabermos o quanto serviços de saúde e escolas, tendo em vista os artigos 13 e 56 também do Estatuto, estão conseguindo cumprir sua atribuição de comunicar aos Conselhos Tutelares casos de maus tratos envolvendo crianças e adolescentes. Pois outras crianças e adolescentes podem estar numa situação muito semelhante à de Bernardo neste exato instante.
O que precisa nos mover é a busca de respostas, não as culpas que, muitas vezes, nos imobilizam.